Entrevista sobre
Inteligência Artificial

 
 


Realizada por Melissa Sayon para a matéria na revista The Industry Standard sobre 35 anos da Inteligência Artificial
07/ago/2001
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Melissa Sayon: Rodrigo, a idéia não é falar do tema como novidade, pois como você mesmo disse, os primeiros protótipos de programas que simulavam conversas de humanos datam da década de 60. Meu objetivo é falar da evolução que aconteceu de lá para cá e dos investimentos (ou da falta deles) que essa área recebe. Vamos lá. Gostaria de saber um pouco mais sobre o Elisa pois, pelo que entendi, ele é a primeira iniciativa forte nessa área.

Rodrigo Siqueira: O software Eliza foi criado em 1966 pelo professor do MIT Joseph Weizenbaum para simular no computador uma conversa com uma psicóloga. A Eliza é considerada "a mãe de todos os bots" e é baseada em um mecanismo que manipula as frases dos usuários para montar as respostas, copiando palavras e reescrevendo a frase em forma de perguntas. Com isso ela tenta fazer com que o usuário se aprofunde cada vez mais no assunto.

Exemplo de conversa com a Eliza:

Usuário: Eu gosto muito de sair com os meus amigos.
Eliza: O que te faz gostar muito de sair com os seus amigos?
Usuário: Eu preciso estar perto de outras pessoas.
Eliza: Como você se sente estando perto de outras pessoas?
Usuário: Eu não me sinto tão sozinho.
Eliza: Fale-me mais sobre isso.

Melissa Sayon: Quando começam a surgir os primeiros estudos sobre AI no Brasil?

Rodrigo Siqueira: A primeira referência que tenho sobre bots de conversação vem de um artigo de 1984 publicado na revista Microhobby com um programa feito em linguagem BASIC para computador TK-85 que simulava em português a psicóloga Eliza. A maioria dos trabalhos de Inteligência Artificial (e outras áreas da computação) tem início na década de 80 no Brasil com a popularização dos computadores pessoais nas casas e universidades.

Melissa Sayon: No início, existiram pessoas chaves ou núcleos universitários responsáveis por trazer essa tecnologia para o Brasil ou foram iniciativas dispersas e pulverizadas?

Rodrigo Siqueira: No final da década de 50 o físico Mário Schenberg convenceu o reitor da USP a comprar o primeiro computador da Universidade, com muita resistência dos outros físicos e matemáticos. Isso possibilitou a criação dos primeiros cursos de computação. Em 1963 o professor brasileiro Newton da Costa criou a Lógica Paraconsistente, um novo tipo de lógica capaz de trabalhar com contradições e incertezas. O conceito é atualmente usado internacionalmente em algumas áreas da Inteligência Artificial. A maioria das aplicações e idéias em Inteligência Artificial (e em muitas outras áreas da informática) veio e ainda vem dos Estados Unidos pois aqui no Brasil a quantidade de investimentos em pesquisas e desenvolvimento ainda é muito baixa.

Melissa Sayon: Quais foram as evoluções que a tecnologia sofreu desde a década de 60?

Rodrigo Siqueira: A explosão do desenvolvimento dos computadores praticamente se iniciou na década de 60. Desde então a velocidade de processamento aumentou milhões de vezes e o tamanho e preço dos computadores caiu sem parar. Esta tendência continua ocorrendo e com isso as mudanças não são apenas tecnológicas mas trazem impactos nas relações sociais. Cada vez mais as técnicas de Inteligência Artificial são aplicadas nas áreas de saúde e medicina, em sistemas de apoio à tomada de decisão, análise de grandes volumes de informação e até compreensão e síntese da voz humana.

Melissa Sayon: Quais são as atuais limitações da IA?

Rodrigo Siqueira: Uma das limitações é a o próprio desconhecimento que temos sobre os mecanismos da inteligência natural humana, seja dos processos cerebrais ou dos processos mentais e da consciência. À medida que descobrimos mais sobre os mecanismos humanos de inteligência, mais conseguimos simular e reproduzir seu funcionamento nos computadores. Ainda não se sabe quais são os limites dessa capacidade de simulação, pois o cérebro possui estruturas completamente diferentes e de complexidade muito maior do que os computadores atuais. As maiores limitações atuais da Inteligência Artificial é não conseguir realizar tarefas que não podem ser expressas por modelos matemáticos ou lógicos, como tarefas que requerem intuição ou capacidade de relacionar informações aparentemente sem conexão.

Melissa Sayon: Hoje, qual a aplicabilidade prática da IA? Serve para se fazer negócios, marketing (Sete Zoom), ser protagonista de filmes do Spielberg ou simplesmente como uma demonstração de até que ponto a tecnologia pode evoluir, simulando o ser humano? No caso da Insite, qual é o foco de vocês?

Rodrigo Siqueira: Diversos ramos da Inteligência Artificial são usados para resolver problemas específicos que anteriormente somente os humanos podiam fazer. Programas deste tipo são chamados de "sistemas especialistas" e podem ser aplicados em áreas como economia, mercado financeiro, medicina e simulação de algumas situações do mundo real. Os robôs de conversação (chatter bots) são programas feitos com Inteligência Artificial que podem ser usados para diversas aplicações como atendentes automáticos em sites de comércio eletrônico, jogos, auxiliares de ensino que conversam sobre as matérias, assistentes que ajudam o usuário e tiram dúvidas sobre assuntos específicos ou simplesmente para entretenimento em salas de bate papo. O foco da Insite (www.insite.com.br) é o desenvolvimento de aplicações de robôs de conversação deste tipo, cujas aplicabilidades e funcionalidades dependem apenas do conteúdo "ensinado" ao robô.

Melissa Sayon: Existem grupos (desde órgãos do governo, a universidades privadas ou fundos de capital de risco) no Brasil que investem no desenvolvimento de IA? Quem são eles e quais os objetivos desse grupo?

Rodrigo Siqueira: No Brasil, atualmente o investimento em tecnologias deste tipo é pequeno em comparação com a atenção maior que é dada ao software tradicional.

Melissa Sayon: Recursos monetários ou de capital intelectual ainda são uma barreira para o desenvolvimento de IA no Brasil?

Rodrigo Siqueira: Sim. Sentimos falta destes recursos no Brasil. A falta de capital intelectual e conseqüente desconhecimento da importância e potencial do assunto dificulta investimentos nesta área. A Insite utiliza recursos próprios para pesquisa e desenvolvimento de software de Inteligência Artificial e outros produtos relacionados a comunidades virtuais. O Grupo de Lingüística da Insite é responsável pela criação de aplicativos que trabalham com processamento de linguagem natural.

Melissa Sayon: A discussão presente no filme do Spielberg (em resumo, um menino que entra em crise pois não sabe se é filho do seu pai ou se é um produto criado por ele) tem razão de ser? Ou seja, a tecnologia pode evoluir a ponto de confundir as pessoas sobre o que é real ou fictício? Caberia uma discussão ética sobre até que ponto a IA poderia ser utilizada? Já existem casos de norte-americanos processando empresas por terem se apaixonado por programas de chats.

Rodrigo Siqueira: Durante milhares de anos foi apenas um mito a possibilidade das pessoas se comunicarem usando um idioma humano com algo ou "alguém" que não fosse humano. O mito de conseguir se comunicar com os deuses, com antepassados, com seres de outros planetas, com as plantas e animais ou, mais recentemente, com as máquinas. Se a barreira da comunicação inteligente com as máquinas está sendo quebrada, é natural que novos pensamentos e discussões éticas surjam pelos conflitos que isso pode gerar. Entre os conflitos éticos e filosóficos relacionados ao mito da Inteligência Artificial estão: o problema da distinção entre uma pessoa real e uma virtual; o problema de acreditar nas "idéias" de um programa real e uma virtual; o problema de acreditar nas "idéias" de um programa de computador que não possui razão humana para julgar o que é certo ou verdadeiro; o problema existencial do "para quê servimos se os computadores podem até pensar por nós?"; o problema da dominação das máquinas sobre o homem. A maioria destes problemas se refere a uma realidade distante, pois as capacidades da IA ainda são primitivas perto das capacidades do raciocínio da mente humana. Mas não estamos longe de conseguirmos criar nossos próprios "bots pessoais", computadores com capacidade de aprender sobre a vida uma pessoa real e manter longas conversas quase como se fosse realmente essa pessoa, podendo perpetuar a existência e conversar contando coisas da sua vida durante as próximas gerações como uma biografia interativa. Com a atual tecnologia de "chatter bots" muitas pessoas não percebem que estão na verdade conversando pela Internet com um programa de computador, demorando às vezes mais de 30 minutos para o usuário perceber que não se trata de um ser humano do outro lado. A tecnologia cada vez mais consegue reproduzir modelos do mundo real com maior perfeição, seja em capacidade de manter conversas quanto em montar paisagens, personagens e sons do mundo real de forma totalmente digital.

Exemplo de conversa com a Sete Zoom (com ela iniciando a conversa):

Sete Zoom: Fui contratada pela Closeup. Agora sou garota propaganda. Por essa você não esperava, hein!?
Usuário: Como é o seu trabalho?
Sete Zoom: Dei uma mudada na minha vida. Era fotógrafa. Agora, como você está vendo, sou garota propaganda!
Usuário: Você estuda também?
Sete Zoom: Ah, não!! Depois de duas faculdades, estou dando um tempo nos estudos. Fiz uns cursos por aí...
Usuário: Que faculdades?
Sete Zoom: Comecei a fazer duas faculdades: história e jornalismo...
Usuário: Você se considera inteligente?
Sete Zoom: Como gosto de gente inteligente, procuro ser também!!
Usuário: Onde você mora?
Sete Zoom: Moro com a Abigail na Vila Mariana. Adoro isso aqui.
Usuário: Quem é Abigail?
Sete Zoom: Abigail é uma amigona minha, divido apê com ela.
Usuário: Depois a gente conversa mais, tenho uma reunião agora.
Sete Zoom: Boa reunião! Depois você me conta como foi.. ---

Rodrigo Siqueira - Sócio e diretor de Tecnologia da Insite; Coordenador do Grupo de Lingüística da Insite, possui 18 anos de experiência em programação e desenvolveu seu primeiro chatter bot em 1984. Pesquisador de Processamento de Linguagem Natural (NLP) e de formas eletrônicas de organização do conhecimento, desenvolveu uma linguagem específica para criação de programas agentes especialistas com inteligência artificial capazes de compreender e responder a comandos escritos na língua portuguesa. Foi o primeiro webmaster da Universidade de São Paulo (1994) e é sócio da Insite, empresa de soluções Internet onde produziu programas atualmente em grande utilização tanto no meio acadêmico quanto em empresas e provedores de Internet.

Endereços: Insite Soluções Internet: http://www.insite.com.br/
Software InBot: http://www.inbot.com.br/
Sete Zoom no site da CloseUp: http://www.closeup.com.br/
Grupo de Lingüística da Insite: http://linguistica.insite.com.br/